Não há brincadeiras erradas!

Brincar é muitas das vezes o nome que chamamos ao trabalho das crianças em idades do pré-escolar e no jardim-de-infância. Também a capacidade de brincar vai variando com o desenvolvimento da criança, variação essa que acontece pela curva de maturação de diferentes funções cognitivas que sustentam diferentes tipos de brincar. É através da brincadeira que as crianças, numa idade muito precoce, começam a perceber as potencialidades dos objectos e do próprio corpo. A criança poder explorar e agir e mais tarde ser advertida de que não podia usar, partir, ou modificar um objecto é um espaço de aprendizagem. São as regras que permitem mais tarde compreender o certo e o errado, mas para isso é preciso por as mãos na massa.

Ainda sem revisões, na minha opinião, brincar pode ser definido como o tempo livre que a criança passa sozinha, estando em interação com mundo envolvente e sem a orientação de um adulto, tirando ela mesmo prazer da situação. Depois de brincar, surge o “jogo”, talvez o melhor sinónimo para a palavra é “brincar com regras”. No entanto, esta noção de regra também ela pode ser confundida, e por isso procuro chamar Vygotsky à discussão.

De acordo com Vygotsky, brincar é colocar a imaginação em acção, este elege a situação imaginária como um dos elementos fundamentais das brincadeiras e dos jogos. O autor clarifica a situação apontando que também a imaginação respeita a regras, uma vez que a acção é gerar movimento ao está sendo representado. Trocando isto por miúdos, a criança cria e se submete as regras do jogo, visto que quer representar diferentes papéis anteriormente observados no contexto vivido.

O Jogo enquanto dinâmica não dirigida pelo adulto é um facilitador de imensas relações sociais e sentimentos. É aqui que o mundo social entra com a sua maior força e faz frente ao instinto do ser individual. Aprender a negociar, a compartilhar, a resolver conflitos e a gerir noções de auto-defesa, a antecipar a reacção dos colegas, são chaves importantes que vão abrindo portas no desenvolvimento da criança para ser adulto. A criança aprende aqui a liderar e a respeitar, aprende também o ritmo e as dificuldades de se fazer entender.

Muitos de nós já atravessámos a idade do primeiro ciclo, e é no ensino básico que o recreio ganha uma enorme dimensão. É nesta idade que sentimos que queremos brincar em grupo, que a construção dos pares e o surgimento de um estatuto ganham forma. Enquanto terapeuta acompanho algumas crianças em contexto de ensino básico e vejo no recreio um espaço onde a criança testa toda a aprendizagem prática que é retirada na sala de aula. Aqui a criança despe a capa de protecção do adulto e enfrenta praticamente sozinha o mundo social do recreio.

Atendendo à importância do recreio deixo algumas perguntas…E se o recreio fosse um espaço onde as crianças pudessem aprender a partilhar brinquedos? E se no recreio existisse a oportunidade de investimento para a construção dos próprios brinquedos? E se esses brinquedos fossem construídos por materiais recicláveis? E se em Oeiras isto já se fizesse?

A importância dos gestos nem sempre estão lado a lado com a visibilidade, nem tão pouco são medidos pelo som dos aplausos. A equipa de auxiliares da escola E.B 1 da Bessa Múrias, juntamente com o apoio da coordenadora professora Luísa Madeira e com o toque e olhar especial do artista Mario Lopes-Tacha, têm feito algo de fabuloso para incutir o pensamento “Tu podes construir o teu brinquedo”. Ainda há pouco se ouvia falar pelo professor Carlos Neto “Estamos a criar crianças totós, de uma imaturidade inacreditável”, e já nesta escola, num serviço que é público, se desfaziam os “totós” fazendo qualquer serviço privado roer-se de inveja. Fico feliz enquanto terapeuta de passar pelo recreio e poder assistir a grupos de crianças a depender umas das outras para realizarem um jogo em conjunto. Fico ainda mais feliz por assistir ao investimento no conhecimento dos materiais, e da ajuda dada a estas crianças para poderem construir e aprender a construir.

Em suma, hoje numa geração onde tudo se compra feito e obter o produto mais caro do mercado é sinónimo de boa compra. Vejo com bons olhos a oportunidade dada à fita-cola, colocando de lado as aplicações e colando com toda a força aprendizagens, transformando-as em bengalas para crianças mais autónomas.

Fábio Faustin0
(Vivências na EMDIIP)

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